domingo, 23 de maio de 2010

Manuel Bandeira

Não poderia faltar, também, a minha poesia predileta. Como já comentei com vocês várias vezes, tenho uma "veia" quase que exclusivamente prosista, sendo poucas as poesias que me tiram do sério, como acontece com esta. A visão de um mundo que não é perfeito às vistas de todos, mas é perfeito para quem escreve, marca "Vou-me embora pra Pasárgada". Bandeira não quer criar um lugar onde todos sintam-se bem, mas sim onde ele se sinta bem. Essa é a ideia. Todos temos as nossas Pasárgadas, todos temos as nossas Mães d'água...
Aproveitem


Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

(Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90)

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